quarta-feira, 12 de maio de 2010

Questão de ordem

Em janeiro de 1978 eu deixei o Banco do Brasil. Era a regra: os menores deveriam deixar o Banco sessenta dias antes de completarem dezoito anos. Isso por causa de alistamente militar, eu presumia. Foi um dia triste, chovia lá fora, mas acredito que chovia muito mais em mim, pois eu realmente gostava de trabalhar no Banco do Brasil. Como fizera nos últimos anos, saí do Banco e fui caminhando para a Rodoviária. O meu trajeto incluía um atalho pelo Touring, quando conseguia driblar o segurança e descer as escadas para chegar a plataforma inferior da rodoviária. Por estar meio down e cheio de vazio, mudei meu itinerário e resolvi dar uma passada no Conjunto Nacional, ver uns tênis, uns discos, talvez uns livros. Subi as escadas rolantes, esbarrei no formigueiro de gente e mergulhei no centro comercial. Como menor estagiário do Banco, devo reconhecer, deixei a minha infância para trás e, bem ou mal, adentrei o mundo adulto. Foram quase três anos de trabalho, de construção de amigos, de muitos bons momentos e pouquíssimos dissabores. Trabalhava na Agência Central, atrás da bateria de caixas. O horário de trabalho era das 13 às 18, mas invariavelmente saía depois do expediente. Nessas ocasiões, os amigos ficavam em bando esperando que eu fechasse o barraco para ir com eles. Naquele dia de janeiro, sozinho (o que por si só era muito raro, uma vez que nunca estava só), andei pelo Conjunto Nacional com a cabeça no futuro incerto. Juntara uma graninha e decidira viajar, ainda naquele mês, para João Pessoa, que eu ainda não conhecia. Entrei na Discodil e fiquei fuçando uns bolachões. Sempre gostei de coletâneas do tipo The greatest hits of Fulano ou The Best of Sicrano e uma séria em particular sempre me seduziu: “A arte de”. A primeira que adquiri foi a de Caetano, depois a do Chico e uma do Elton John. Recentemente tinha comprado a Arte do Tim Maia. Peguei um exemplar da Arte de Gilberto Gil e fiquei ouvindo na cabine de som da discoteca. Havia, naquele tempo, uma coleção da Editora Abril que circulava pelas bancas, eram pequenos discos que vinham numa revista de Mestres da MPB. Eu tinha o exemplar do Gil e adorava uma música em especial: Questão de ordem (vai em anexo). Na cabine, ouvindo Gil cantar Marginalia 2, fui me empolgando com aquilo e a grana no meu bolso foi pedindo pra dormir na registradora da loja. Não deu outra, comprei o bolachão verde do Gil e, por alguns instantes, desliguei-me do futuro. Era um rapaz de 17 anos, era um rapaz de 17 anos...

Questão de ordem (Gilberto Gil)
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http://www.youtube.com/watch?v=BNeALhaMSjQ

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