sexta-feira, 7 de maio de 2010

Eros

Desde muito pequeno, por volta dos oito ou nove anos, ouvia minha avó falar que no Brijuí todo homem se perde. Aquela afirmação, na minha cabecinha de sonhador, construía a imagem de um enorme labirinto, pleno de perigos, aventuras, prazeres insuspeitados, com uma placa na entrada: Brijuí. Eu sabia que o tal lugar de perdição ficava em Jataí, onde moravam meus tios Rosemiro e Maria do Carmo. Nas seguidas férias que costumava passar na cidade, o labirinto foi tomando forma concreta: o Brijui era uma espécie de minúscula pracinha, circundada por casas muito animadas, com luzes vermelhas na porta. Lembro de uma vez em que uns vizinhos do meu primo, garotos mais velhos, me disseram que no Brijuí “a gente goza muito”. Na ingenuidade de meus anos fiquei a imaginar o que seria realmente o ato de gozar e porque, na visão da minha avó, ele estaria associado a estar perdido. Logo, o Brijuí não era mais um labirinto, eram casinhas de gozo e perdição e eu precisava descobrir os seus segredos. O tempo e o mundo me fizeram desejar o Brijuí. Minha tia era uma mulher singular, para não dizer que ela era uma espécie raríssima de mulher. Nas sextas-feiras ela escolhia uma roupa para o marido, botava um perfume numa sacola e, por meio de um empregado da oficina mecânica que tinham, enviava para o meu tio. Eu sabia (e todos sabiam) que ele, após fechar a oficina, saia todo cheiroso e de roupa limpar para se “perder” e gozar no Brijuí. Maria do Carmo nunca demonstrou raiva ou ciúmes. Parecia-lhe (ou pelo menos parecia a nós) que essa tarefa, enviar roupas e perfumes para o marido, mesmo sabendo o destino daqueles objetos no corpo do meu tio, era a coisa mais trivial do mundo. Em meados dos 1970 meu tio arrastou-me, a mim e a meu primo, para uma visita ao Brijuí. O coração parecia bater na ponta da língua quando adentramos uma das casas com a luz vermelha. Na sala, cuja iluminação era fraquíssima, algumas mesas, muita bebida e mulheres sorrindo, falando alto, dançando. Eram figuras femininas muito obesas, trajando roupas muito curtas. Meu tio se divertia com algumas delas, pagando bebidas, passando a mão em todas as partes. Era o seu ideal de beleza feminina, mulheres dignas de um Renoir. Estava muito feliz e fazia questão de demonstrar essa felicidade distribuindo agrados às mulheres, pagando rodadas de bebida aos amigos, lambendo a cria, o meu primo, que estava visivelmente nervoso. O que deu pra perceber, pelo desfile de mulheres em nossa mesa, é que ele tentava escolher uma delas para nos iniciar na perdição e no gozo. Lembro particularmente de uma magrela, pois era a única mulher magra daquela casa. Essa é tua, Nardo, ele disse. E sumi por um corredor, que era um labirinto, e me perdi.


Eu vou tirar você desse lugar (Odair José)
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http://www.youtube.com/watch?v=rBP9nAL00Nk

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