Foi uma dificuldade convencer os amigos a irem comigo ao show na Sala Funarte. Ninguém gostava da música do sujeito. "Quem quiser que ache isso bonito" diziam alguns mais objetivos. "Isso não é música" decretavam outros, mas eu adorava aquele estranhamento provocado pelos metais e piano, aquela harmonia com cara de caos, a melodia aos pulos e paradas, as vozes muito agudas de Vânia Bastos e Tetê Spindola em gritante contraste com a voz de Arrigo na gutural narração da história de Clara Crocodilo. Eu comprara meu bolachão maravilhoso com a ajuda de uma colega de São Paulo. Ouvi-lo era uma tortura para os mais chegados e, nesse sentido, eu era um sádico por natureza. Nessa época andava lendo muita poesia, umas coisinhas russas (Maiacovski, principalmente) e inglesas (T.S.Elliot, Ezra Pound e, especialmente, Allen Ginsberg - me refiro à língua inglesa). Os irmãos Campos, mais o Pignatari, também habitavam meu universo estético naquele início dos 1980 e eu enxergava tudo isso na música de Arrigo Barnabé. Uma descoberta: a música popular pode ir muito além do feijãozinho diário. A capa do Clara Crocodilo é um delírio com aqueles olhões enormes, simplesmente fantástica, um primor de trabalho gráfico (ver anexo). Uma das grandes perdas provenientes da tecnologia do CD foi justamente as capas dos discos, nunca mais teremos o prazer de um trabalho gráfico como o do Physical Graffitti ou qualquer dos discos do Pink Floyd. Azar o nosso. O show foi uma maravilha, a platéia mínima, o entusiasmo máximo. Uma das cordas do baixo de Otávio Fialho arrebentou-se no meio de “Diversões eletrônicas”, mas ele levou o show na maior manha e competência. Ao final do espetáculo fiquei enrolando na esperança de ver o Arrigo de perto, de falar com ele. Na timidez peculiar ao fã, ainda comentei com o Josélia, o Cesar e a Liu que “a gente bem que podia chamar o Arrigo pra tomar umas”. Desnecessário acrescentar que ninguém teve coragem de ir ter com o geniozinho do mal da música brasileira dos 1980. Ainda o vi, parado, sozinho, num canto da sala Funarte, mas mesmo assim não conseguir coragem para falar com ele. No dia seguinte, numa entrevista do Arrigo para um jornal local, além dos comentário de praxe sobre a cidade, sua arquitetura, luzes, etc., o Arrigo comentou: A cidade me pareceu meio fria, estava a fim de sair pra beber com as pessoas, mas não pintou nenhuma oportunidade. Juro, meus amigos, ele realmente declarou isso. Só de raiva, botei o Clara pra rodar. Anos depois, em 1997, reencontrei o Arrigo num show solo no HOtel Tambaú, em João Pessoa. Estava bêbado, tropeçando nas teclas do piano e nas palavras. Clara Crocodilo fugiu, Clara Crocodilo escapuliu.
Sabor de veneno (Arrigo Barnabé)
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http://www.youtube.com/watch?v=7mfYp7JGNNE
quarta-feira, 12 de maio de 2010
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